top of page
Buscar
  • Foto do escritorGigio Zem

Extremo Sul Ultramarathon 230km 2016


Começo este blog com aquela vontade de contar cada detalhe do que aconteceu em cada km da Extremo Sul Ultramarathon. Mas em uma prova de 230km acontecem muitas coisas e muitas delas vocês não precisam saber., coisas como assaduras, pés inchados e bolhas de sangue não passam pela cabeça de qualquer corredor, mas em um ultramaratona isso é normal e a preparação vem muito a calhar para a prevenção de lesões e problemas que venham a surgir no decorrer do longo percurso.

Incialmente busquei realizar a prova pois era minha ultima chance de me manter "ranqueado" pois as provas de grande distância necessitam de aprovação para participação e estas avaliações consideram as provas dos últimos dois anos. Como a minha ultima prova de 100km havia sido concluída em 2014, caso desejasse realizar outra prova grande em 2017 deveria começar novamente com as provas "menores", e claro, esta prova da 6 preciosos pontos (pontuação máxima segundo o ITRA) para o Ultra Trail du Mont Blanc. Mas quando comecei a entender mais sobre o que era correr 230 quilômetros em um abismo horizontal comecei a entender que a preparação deveria ser mais do que o simples correr. Uma ultramaratona se faz com muitos detalhes, físicos, psicológicos e existe uma constante negociação, uma negociação com o corpo, corro agora para andar depois, vou te dar um pouco de energia e você me retribui com alguns instantes de descanso, isso dura a prova inteira, e sem essas trocas é impossível concluir um desafio tão grande.

Tive a felicidade de ter apoios tão significativos comigo, a Território Mountain Shop me ofereceu os materiais obrigatórios para a prova que foram fundamentais para concluir o desafio, estar no deserto da praia sem um bom material certamente era ir rumo ao fracasso, e este ponto felizmente foi positivo para mim. A Herbalife através da minha dentista Marli e da clinica de bem-estar de Santa Felicidade me ofereceram os produtos da linha 24hours que propicia uma maior duração do exercício e isso era sem duvida o que eu precisava. E ao amigo Gerardo da 42k Suplementos que com o 42k me permitiu fazer um pré prova em altíssimo nível, pois a corrida não começa na largada e sim muitos dias e semanas antes. E sem duvidas sem esquecer da João Andarilho e um agradecimento especial aos meus alunos que me aturaram nestas ultiamas semanas de preparação. A preparação é FUNDAMENTAL.


Com um pensamento Positivo partimos rumo a Porto Alegre, pois lá a organização nos transportaria até a cidade de Rio Grande/RS, fiquei alojado na casa da Dona Vera excelentíssima mãe do meu amigo Tchê. Obrigado pelo carinho e atenção, pois corredor antes de uma ultra deve ser pior que mulher gravida. Um dia antes da largada fomos ao congresso técnico que como a prova demorou um bocado, mas essencial para nos munir de informações valiosas para a prova.


Largamos dos molhes da barra na cidade de Rio Grande/RS e tínhamos como meta os molhes da cidade de Chuí/RS que faz divisa com o Uruguai. A largada aconteceu as 14horas e para chegarmos até ela fomos nas famosas vagonetas. A largada aconteceu 3km dentro do mar, isso mesmo, os molhes adentram ao mar para facilitar a entrada de embarcações no porto, e nós iniciamos a jornada lá da ponta. Estava tranquilamente acima dos 30ºC e com um vento muito forte, felizmente com o vento a favor, o que “obrigava” a impor um ritmo ‘forte’ de corrida, pois caso tentássemos trotar ou caminhar tínhamos que fazer força contra o vento, então o mais fácil era correr. Como se correr esta distancia não fosse algo suficientemente complicado tínhamos que carregar nossas mochilas com o material obrigatório, o que no adentrar da primeira noite começou a se tornar um problema, pois o atrito da alça com os ombros estava causando feridas e isso ao longo do tempo podia complicar, material obrigatório para a prova: 3 mantas térmicas, survival bag, corta vento, 2ª pele, anorak, lanterna e pilhas reservas, remédios diversos, e comidas de fácil absorção, além de uma quantidade mínima de agua, o que facilmente deixava a mochila acima dos 6kg.

A primeira noite foi tranquila, estava uma noite incrível e o deserto da praia nos proporcionava uma vista incrível das estrelas.


Ao chegar na 2 base de apoio no km 107 onde estava minha Drop bag 1 acabei instintivamente descansando. Eram cerca de 4 da manhã e o corpo já demonstrava sinais de cansaço, cochilei por volta de 50min e parti para a próxima base, o que a esta altura já era um super feito para mim, pois já havia ultrapassado a minha maior distancia percorrida de 100km.

Foi fantástico virar a noite correndo no deserto, o sol se pôs lá pelas 20hrs e a lanterna só foi acesa lá pelas 21h como amanheceu lá pelas 5horas a noite foi extremamente curta o que para nós foi um bônus pois o corpo sente e a luminosidade deixaria ele mais desperto. A partir da 2 base as caminhadas começaram a se tornar frequentes pois estava com uma noite sem dormir e o cansaço do exercício não permitia mais se deslocar com grande velocidades, mas ainda sim dava para arriscar uma corrida intercalada com caminhadas rápidas. A 3ª base de apoio estava no km 135 e ‘rapidamente’ a alcancei não quis ficar muito nela pois sabia que a próxima base estava no 185 e lá era a ideia de descansar, mas ao chegar na base 3 soube que haviam erroneamente antecipado a base 4 e então ao ouvir a milagrosa frase do amigo Fábio Morales o Tchê “aqui tem banheiro e um chuveiro” decidi ali ficar , pois eram aproximadamente 3 da tarde e o sol estava castigando todos os atletas, fiquei cerca de 1h30 parado e neste tempo consegui dormir por 45min. ‘Adiante’ gritava o argentino e assim eu fui caminhando até o próximo posto.

Ao adentrar a 2 noite em claro a expectativa é de que ela passasse rápido como a primeira pois o corpo já estava cansado e pedindo algumas horas de sono. O céu começou a ficar nublado e toda aquela magia da primeira noite simplesmente não aconteceu. Uma noite fria e chata, como caminhávamos muito mais pelo cansaço não produzíamos tanta energia e a temperatura corporal começou a ficar mais baixa. Ao amanhecer estava acompanhando de outro atleta e fazíamos de tudo para tentar manter um ao outro acordado, falhamos, em um certo momento lá pelas 5h da manhã eu dormi caminhando e ao avistar 3 vultos saindo do mar achei que eram 3 pessoas vindo rapidamente em nossa direção, fui correndo para ficar ao lado do outro atleta pra nos protegermos e no caminho me toquei que era uma alucinação, pois estávamos literalmente no deserto da praia. É claro que logo após o acontecido rimos muito, mas na hora tudo se parece real, encontramos muitos lobos guarás durante o caminho algumas famílias de cavalos selvagens e muito animais marinhos mortos como tartarugas, botos, leões marinhos e até uma baleia. Ter alucinações é normal considerando que o cérebro se nutre de glicogênio (carboidrato) e este é consumido pela musculatura para fazer o exercício, então há aquela altura já faltavam nutrientes para discernir o que era real ou não, em outro momento achei ter visto um navio pirata no meio da areia e até me esquivei para desviar dele, tudo isso dura menos do que 2 segundos e quando percebo logo vejo que esta na hora de tomar mais capsulas de cafeína para tentar manter o ritmo cardíaco mais alto.

Ficamos do km 172 até o 215 sem ter uma base de apoio, o que foi muito tempo ao meu ver, antes disso havíamos ficado km 135 ao 172, então o isolamento parecia aumentar logo na parte final da prova. Alguns carros de apoio passavam pela praia para nos oferecer agua, mas o fato de poder sentar e descansar meros minutos não acontecia, durante a prova é inviável simplesmente sentar e descansar, estávamos em um local ermo em que não havia uma simples palmeira para ter uma sombra ou um galho para sentar-se sobre ele, e a esta altura da prova sentar levantar já não era tão fácil. A alimentação estava ruim pois tudo o que levava estava quente, e ingerir qulquer coisa não era tão simples. algumas ânsias vinham durante a "corrida" e o organismo já avisava o que estava por vir.


Ao amanhecer começa a chover, uma chuva moderada mas suficiente para irritar e deixar a areia mais fofa como se o correr na praia já não fosse difícil o bastante, imprimo uma caminhada mais forte e alcanço um competidor argentino, o avistei lá pelas 7 da manhã, mas só o alcancei lá pelas 10h devido ao nosso ritmo parecido, simplesmente horrível ter alguém no campo de visão e nunca alcançar, ao alcança-lo o ultrapassaria facilmente, mas a essência de uma ultra não esta em deixar um colega para trás, e finalmente ter alguém para conversar me soava muito mais interessante do que terminar a prova sozinho, fizemos os 30km finais juntos. Ao chegar na base do km215 decidimos terminar a prova juntos nem que isto nos custasse algumas posições, alguns atletas nos ultrapassaram no km finais da prova mas a nossa meta estava cada vez mais em chegar e não importava se fossemos os últimos ou não, restavam apenas 15 km de prova, nós comemorávamos a proximidade de nossos feitos porem ao calcular o nosso ritmo vimos que ainda estávamos distante, estávamos caminhando a , acreditem 3,5km por hora, um pace de 15min o km o que acreditem se quiserem era algo fantástico devido ao estados de nossos pés, mas não iriamos desistir tão perto da linha de chegada, depois de percorrer os ultimo 15 km em quase 5horas chegamos ao clube na cidade de Chuí, era um misto de vontade de abaixar a cabeça e chorar com a vontade de levantar a cabeça e se orgulhar do que havia feito. Após sentar e relaxar percebo o estado deplorável em que me encontrava, mas isto era secundário para diante do que havia conquistado, terminei a prova em 17º lugar empatado com o amigo Argentino e em 1º lugar na categoria Senior I para atletas de 18 a 29 anos. Com 49horas e 45minutos de prova.


Algumas bolhas e um baita inchaço no pé depois já foco nos próximos desafios, pois a cabeça sai muito fortalecida de suportar 2 dias inteiros na atividade e de terminado uma da provas mais difíceis do mundo!!!




Fotos: Marcus Maciel


159 visualizações0 comentário
bottom of page